A quem interessa um monopólio no setor livreiro?

A quem interessa um monopólio no setor livreiro?

A ideia da Lei Cortez é permitir que livrarias de todos os estilos, tendências, tamanhos e estratégias existam.

O texto do jornalista Elio Gaspari, publicado no dia 24 de abril, nos jornais Folha de S.Paulo e O GLOBO, só confirma a importância e a urgência de uma reflexão mais profunda e mais consequente sobre o PL 49/2015 (Lei Cortez), relatado pela senadora Tereza Leitão (PT- PE).

A ideia de Gaspari era tratar da proposta de lei que protege o ecossistema do livro — como ele mesmo pontua, muito bem- sucedida em países como Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, França, Japão etc.

A ideia da lei é permitir que livrarias de todos os estilos, tendências, tamanhos e estratégias existam. Quando o assunto é cultura, nenhum monopólio deveria ser tolerado. Empresas gigantescas, como a Amazon, citada pelo jornalista, abrem mão da remuneração pela venda de livros em troca dos dados dos clientes, inviabilizando as livrarias e criando um monopólio.

Em poucas palavras, a Lei Cortez estabelece que títulos lançados nos últimos 12 meses não sejam vendidos com descontos superiores a 10%. O Brasil lança aproximadamente 13 mil novos títulos por ano. Ao longo de 2023, foram comercializados mais de 230 mil em nosso país. A regra proposta pela Lei Cortez atingirá, portanto, pouco mais de 5% dos livros à disposição do consumidor brasileiro. Ao garantir isso, a lei permite que mais livrarias possam coexistir.

É incorreto fazer a população achar que, a partir da aprovação da lei, não se poderá mais comprar livros com desconto. A verdadeira tunga, palavra usada por Gaspari, está em fazer a população achar que o livro não tem características únicas que mereçam atenções distintas e especiais; está em passar a ideia de que os livreiros formam uma máfia que busca apenas o privilégio.

A aprovação da Lei Cortez é uma luta de cada um dos milhares de profissionais que atuam no setor editorial brasileiro. Não por acaso, é defendida por todas as entidades que representam a indústria do livro: Associação Nacional de Livrarias (ANL), Câmara Brasileira do Livro (CBL), Liga Brasileira de Editoras (Libre) e Associação Brasileira das Editoras Universitárias (Abeu), entre outras.

Engana-se quem pensa que a ausência de normas beneficia o consumidor. Pelo contrário, em médio e longo prazo, tal condição aplicada à economia do livro acaba reduzindo drasticamente o número de editoras, limita a oferta aos livros e favorece a hiperconcentração do varejo, caracterizando um oligopólio controlador de preços finais.

Vale lembrar que as leis defendendo a atividade livreira favorecem a queda do preço médio dos livros, além de incentivarem a concorrência saudável. Queremos que as livrarias desapareçam das ruas de nossas cidades?

“Uma cidade sem livrarias pode até se considerar uma cidade, mas ela sabe que não está enganando ninguém.” A frase do autor inglês Neil Gaiman põe o dedo numa antiga ferida nacional.

Livrarias são pátios de descobertas, de encontros dos leitores com os livros, de conversas com seus autores. Elas acolhem a vida cultural das cidades e, assim, atuam no enriquecimento da sociedade à sua volta.
A quem interessa um monopólio no setor livreiro?
A Lei Cortez é uma trincheira de resistência da bibliodiversidade.

Visite uma livraria. Conheça a Lei Cortez. Nós certamente precisamos de mais gente disposta a entender que comprar um livro na loja de bairro preferida é, acima de tudo, um ato político em defesa da cultura brasileira.

Por Marcus Teles, Elga Pedri, Rui Campos, Samuel Seibel, Alexandre Martins Fontes, Paulo Escariz, Marcus Gasparian, Jonatas Santos e Victor Tavares, livreiros

Fonte: O GLOBO