Pedro Herz me mostrou que o maior desafio para se tornar grande está em saber se manter pequeno

Pedro Herz me mostrou que o maior desafio para se tornar grande está em saber se manter pequeno

Tive dois grandes mestres na minha trajetória pessoal e profissional: o primeiro, meu pai, perdi quase 24 anos atrás; o segundo nos deixou na data de ontem (19/03/2024).

Quando assumi a Livraria Martins Fontes da Avenida Paulista, em janeiro de 2005, um amigo quis saber o que eu pretendia realizar ali. E prontamente respondi: “Se eu conseguir produzir 10% do que a Livraria Cultura vem fazendo, há décadas, no Conjunto Nacional, poderei me considerar um homem feliz”. Aquelas palavras não foram pronunciadas por acaso. Minha vida no mundo dos livros havia começado bem antes daquele diálogo. Na verdade, posso dizer que nunca conheci outra realidade que não fosse cercada de livros. O ano em que meu pai e meus tios fundaram a primeira Livraria Martins Fontes, em 1960, na cidade de Santos, foi também o ano em que nasci.

No meio de tantas páginas e palavras, fosse na loja de Santos, ou na editora que se iniciara em São Paulo na década de 70, havia um nome que era uma constante em nosso dia a dia – e assim o foi durante décadas: Livraria Cultura. E aqui, obviamente, não me refiro à empresa decadente que deixou milhares de funcionários, fornecedores e credores a ver navios enquanto se manteve aberta às custas de artimanhas jurídicas e acordos duvidosos. Eu me refiro à livraria com o melhor acervo, com a melhor equipe, a livraria que todos admiravam, que todos copiavam (em vão), onde ocorriam os eventos mais badalados da cidade. Enfim, a Livraria Cultura do Conjunto Nacional; a Livraria Cultura do Pedro Herz.

Uma vez, a caminho da Feira do Livro de Frankfurt, o Pedro virou-se para mim e disse: “Alexandre, sabe qual é o meu maior tesão? Fazer importação via aérea”. E eu, rindo comigo mesmo, pensei: “Puxa, você está mal de tesão, hein?”. No entanto, pouco tempo depois, percebi que eu não estava diante de um homem a quem faltavam prazeres. Estava diante de um homem que, graças à sua gana em fazer melhor, seu amor pelo pioneirismo e sua busca incansável pela excelência, tornou aquela Livraria Cultura, que chegou à Avenida Paulista em 1969, a melhor livraria do Brasil.

Tive dois grandes mestres na minha trajetória pessoal e profissional: o primeiro, meu pai, perdi quase 24 anos atrás. O segundo nos deixou na data de ontem. Pelo tempo que os tive em minha vida, eu não poderia ser mais agradecido, nem me sentir mais privilegiado.

Das tantas lições que o Pedro me ensinou, existe uma que trago comigo todos os dias: concentrar os esforços na essência do que faz o seu negócio aquilo que ele realmente é. O Pedro, por muito tempo, focou sua energia, sua experiência e sua maestria em uma única loja; e foi isso que fez dela uma loja única. O Pedro me mostrou que o maior desafio para se tornar grande está em saber se manter pequeno. Que a verdadeira beleza está na busca diária pelo extraordinário. E que a maior realização pode, muitas vezes, estar escondida no mais incomum dos tesões.

Pedro, em nome do livro, da leitura, da cultura de nosso país e, se me permite um momento de egoísmo, em nome daquilo que eu me tornei, muito obrigado. Se hoje eu for um décimo do que foi o Pedro que conheci e tanto admirei, já posso me considerar um livreiro feliz.

Texto de ALEXANDRE MARTINS FONTES* - PUBLISHNEWS - 20/03/2024
FONTE: Publish News

*Alexandre Martins Fontes é Diretor-Executivo da Editora WMF Martins Fontes e da Livraria Martins Fontes Paulista, e presidente da Associação Nacional de Livrarias.